Carta de Formulação e Mobilização PolíticaiTerça-feira, 21 de junho de 2011iNº 261.
Nada justifica o sigilo que o governo quer impor aos gastos a serem feitos nas obras da Copa de 2014 e das Olimpíadas do Rio.
Menos ainda que as regras de exceção adotadas para evitar um fiasco nos eventos esportivos sejam estendidas a todo e qualquer empreendimento realizado no país, como começa a defender a base aliada no Congresso.
É hora de redobrar a reação às manobras cavilosas do Executivo.
O Valor Econômico informa hoje que, com as bênçãos do Planalto, o PDT, que integra a base de apoio ao governo, tentará aprovar na próxima semana uma emenda à medida provisória nº 527 que "permite que o Regime Diferenciado de Contratações [RDC] seja usado livremente pela administração pública".
As chances de a proposta ser aprovada não são pequenas, avalia o jornal.
Os pedetistas não gritam sozinhos. Na semana passada, o Ministério dos Esportes já havia deixado claro que a Copa seria apenas o teste inicial para a adoção do novo regime em larga escala no país, "enterrando de vez a Lei das Licitações (8.666) que vigora desde 1993", divulgou O Estado de S.Paulo no sábado.
O governo insiste em dizer que as críticas ao RDC são fruto de "má interpretação" do texto da MP. A presidente da República defendeu tal tese na sexta-feira. Disse que o novo modelo busca evitar a formação de cartéis.
O que Dilma Rousseff não explicou é por que a blindagem dos orçamentos da Copa foi incluída como contrabando na undécima hora pelo relator da MP, o deputado petista José Guimarães.
Pelo texto, somente órgãos de controle teriam acesso, "em caráter sigiloso", aos custos, ainda assim sujeitos ao consentimento do Executivo.
O governo também não consegue justificar por que a mudança no marco institucional que - mais para bem do que para mal - regula a contratação de obras públicas no país há 18 anos deve ser objeto de uma MP de expedita tramitação e não de um projeto de lei de discussão mais ampla e aberta às manifestações de toda a sociedade.
A Lei de Licitações pode, sim, ser aperfeiçoada. Há iniciativas de sobra em tramitação no Congresso sobre o assunto e que poderiam render um bom projeto comum.
Mas o Planalto não parece interessado em buscar um caminho mais equilibrado, e sim o atalho das sombras.
O Executivo diz agora que os orçamentos só serão secretos até que sejam conhecidos os vencedores das licitações. Mas quem irá garantir que o sigilo se estenderá aos apaniguados dispostos a pagar caro por eles?
A história recentíssima do poder petista mostra que basta contratar um "consultor" que esses dados chegarão a quem interessa, negociados a preço de ouro no mercado negro da corrupção...
Outro problema insanável da MP governista é a contratação integrada das obras. Os empreendimentos irão se transformar numa caixa preta, um pacote lacrado, cujo limite de custos será o céu.
Com as concessões à Fifa e ao COI, e as muitas liberalidades contidas no texto-base aprovado no semana passada, os gastos com a Copa e com as Olimpíadas poderão subir indefinidamente.
Grandiosas obras - só o torneio de futebol movimentará R$ 23 bilhões, quase integralmente bancados com dinheiro público - poderão ser contratadas na base de meros rascunhos.
Na prática, as empreiteiras definirão o preço final do empreendimento e, como os valores iniciais são secretos, não precisarão justificar eventuais estouros.
Não é preciso ir longe para enxergar os riscos de drenagem de dinheiro dos contribuintes para bolsos privados. Hoje, com todo o rigor da Lei de Licitações, as obras da Copa já se equilibram sobre orçamentos quase fictícios, como mostrou o Estadão no domingo.
"A conta da Copa do Mundo de 2014 é uma fantasia, um 'chutômetro' calculado a partir de projetos básicos incompletos, mal feitos ou ambas as coisas". Um dos exemplos é o Mané Garrincha, em Brasília.
Até agora, seus custos são estimados em R$ 671 milhões, mas nisso não estão incluídos itens como assentos, gramado e trave. Será que o estádio servirá mesmo para partidas de futebol?
A pronta resposta da opinião pública à falta de transparência que a MP 527 instaura na execução de obras públicas no país já começa a surtir efeito. Próceres governistas como o senador José Sarney foram forçados a recuar e ameaçar votar contra o sigilo.
O governo, porém, gosta de agir no escuro. Portanto, toda a atenção ainda é necessária para impedir que as portas para a corrupção sejam escancaradas de vez pelo petismo.