HEBERTH XAVIER Correio Braziliense
Os últimos números das contas externas mostram uma deterioração crescente e perigosa, sugerindo que o real, na cotação dos últimos meses (em torno de R$ 1,75), está no lugar errado ou sobrevalorizado, como ressaltou ontem o Fundo Monetário Internacional (FMI), chefiado por Dominique Strauss-Kahn.
O problema é que, mesmo ciente disso, o Banco Central também sabe que o espaço para manobras é atualmente inexistente.
O ditado é surrado, mas até que cai bem para o caso: o BC está naquela situação em que se correr, o bicho pega; mas, se ficar, o bicho come.
(...)
Como já ocorreu em vários momentos da história econômica brasileira, o país não está conseguindo sustentar uma moeda tão valorizada. A indústria parou de crescer, o rombo externo bate recordes e os produtos brasileiros perdem competitividade no mundo, sobretudo na comparação com a China.
O que fazer?
Desvalorizar o real, certo?
Mas como fazê-lo sem causar impacto na inflação?
Ou como fazê-lo em pleno período de eleições presidenciais?
O economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, resume assim:
Há uma semente germinando e essa é a única certeza que temos, a de que o deficit externo continuará crescendo.
A menos que algo seja feito. Ele, porém, se mostra cético e acrescenta:
Não é preciso fazer nada radical para ajustar o nível do câmbio. Mas, mesmo algo gradual, é improvável agora, às vésperas das eleições.
Um resumo da armadilha em que está o BC:
no primeiro semestre deste ano, o Brasil registrou o pior resultado nas transações com o exterior em 63 anos.
O rombo mais do que triplicou, de US$ 7,2 bilhões, em 2009, para US$ 23,8 bilhões. Esse é um lado do pêndulo.
O outro é aparentemente paradoxal.
É que as apostas no mercado financeiro ainda são de valorização forte do real. Como explicar essa contradição?
Simples, pois apostar na valorização do real ante o dólar rende muito para investidores daqui e do exterior.
Apostando nisso, eles tomam capital a juros baixos lá fora, emprestam a grana ao governo brasileiro (a taxas bem maiores) e, com o lucro dessa operação e o ganho na hora de converter de volta para dólares, têm um jeito de ganhar dinheiro fácil e de risco quase zero.
Como funciona
A percepção de que há algum problema no câmbio faz com que o país receba muito capital especulativo, aquele que não fica muito tempo.
Quem traz esse dinheiro ganha duas vezes
» Imagine um investidor que tenha tomado no exterior um empréstimo de US$ 1 bilhão, pagando juros de 1% ao ano (compatível com a taxa atual na média dos países ricos).
» Esse investidor vem ao Brasil e converte o dinheiro para reais.
Hoje, digamos, a uma cotação de R$ 1,75.
O US$ 1 bilhão vira, portanto, R$ 1,75 bilhão.
» Esse aplicador compra títulos do governo, corrigidos pela taxa básica (Selic). Como se sabe, são investimentos de risco quase zero que, comparados ao resto do mundo, pagam muito bem — 10,75% ao ano.
Ao fim de 12 meses, portanto, cerca de R$ 180 milhões serão adicionados ao R$ 1,75 bilhão original.
» O investidor ganha ainda mais se o real se valorizar no período — o que ocorreu no ano passado. Se o dólar tiver caído para, por exemplo, R$ 1,65, converterá seus reais e ficará com pouco mais de US$ 1,16 bilhão.
» O ganho será mais do que suficiente para pagar a dívida tomada no exterior, a 1% ao ano, que, ao fim de 12 meses, de US$ 1,1 bilhão.
O investidor paga o débito e ainda fica com US$ 150 milhões — detalhe:
sem usar nem sequer um dólar de recursos próprios.
» Essas operações foram estimuladas nos últimos meses, quando cresceu a percepção, entre os agentes financeiros, de que o real tende a se valorizar em relação ao dólar.
Contribuem para isso, entre outros fatos, a expectativa de entrada recorde de dólares no país — para a capitalização da Petrobras, por exemplo.
(...)
Um temor já falado no mercado, ainda por enquanto à boca pequena:
alguns fundos e empresas estariam descobertos, ou seja, teriam vendido dólares sem tê-los para entrega futura, acreditando que a moeda será comprada a um preço menor do que hoje.
Na crise mundial, no fim de 2008, empresas como a Sadia e a Aracruz perderam muito com isso.
Teme-se a repetição de algo semelhante agora.
Original/Íntegra :
Quando a bolha do dólar vai estourar?
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